O ex-presidente Jair Bolsonaro abraça seu aliado Alexandre Ramagem,ex-diretor da Abin: PF investiga uso indevido de estrutura do governo — Foto: Pablo Porciuncula/AFP/16-03-2024
GERADO EM: 14/07/2024 - 04:30
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Investigações da Polícia Federal sobre o suposto esquema de desvio de joias e a estrutura paralela de monitoramento montada na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) mapearam o uso de máquinas do Estado em benefício do ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados. De acordo com os inquéritos,além da própria Abin,Itamaraty,Receita Federal e o Palácio do Planalto foram mobilizados na tentativa de reaver ou vender as joias,para perseguir adversários do então governo e na tentativa de blindar o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no caso das “rachadinhas”.
No caso do monitoramento ilegal feito pela Abin,pelo menos dez servidores cedidos ao órgão usaram ferramentas pagas com dinheiro público para espionar e produzir dossiês contra ministros do Supremo Tribunal Federal,parlamentares,jornalistas e outras pessoas consideradas adversárias do governo,segundo a PF. Boa parte deles integrava o CIN (Centro de Inteligência Nacional),criado na Abin por um decreto assinado por Bolsonaro em 2020. Entre os sistemas utilizados estava o FirstMile,que rastreia a localização dos alvos e cujo uso irregular foi revelado pelo GLOBO.
Com a missão de pesquisar “podres” e “futucar até a unha” dos alvos,um dos objetivos do grupo era municiar influenciadores digitais do chamado “gabinete do ódio” para disseminar “desinformação” nas redes sociais,segundo a PF. A partir daí entra no enredo um ex-assessor da Secretaria de Comunicação (Secom) do Planalto,Mateus Sposito,que,conforme a PF,seria o elo entre a “Abin paralela” e as milícias digitais.
Além da mobilização de servidores e sistemas,o Palácio do Planalto sediou uma reunião em 25 de agosto de 2020 entre Bolsonaro,o então diretor da Abin e hoje deputado federal Alexandre Ramagem,o então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno e duas advogadas do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). A pauta era discutir estratégias para “blindar” o parlamentar das apurações sobre um suposto esquema de desvio de salário dos funcionários do gabinete de Flávio,quando ele era deputado estadual pelo Rio. Posteriormente,o caso foi arquivado.
Segundo a PF,os agentes da Abin também atuaram para produzir provas em benefício do filho Jair Renan,na época investigado por tráfico de influência. Este inquérito também acabou sendo arquivado.
Em relação à apropriação irregular das joias,pelo menos cinco servidores da Ajudância de Ordens da Presidência,o ex-chefe do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GDAH),o ex-chefe da Receita Federal e uma diplomata do Itamaraty foram mobilizados para tentar reaver um kit retido no aeroporto de Guarulhos e transportar os outros conjuntos para fora do país.
Parte dos presentes — duas esculturas douradas de barco e árvore — embarcou em um voo da FAB em 30 de dezembro de 2022,quando Bolsonaro viajou aos Estados Unidos para não transmitir a faixa presidencial a Luiz Inácio Lula da Silva. No dia anterior,em uma mensagem interceptada pela PF,o tenente-coronel Mauro Cid — então chefe da Ajudância de Ordens — perguntou a Bolsonaro se ele pretendia “trazer a árvore e o barco”? O ex-presidente respondeu,mas apagou a mensagem. “Sim,senhor”,registrou Cid,no fim.
A comitiva presidencial aterrissaria em Orlando,e Cid precisava levar a bagagem para Miami,a 380 quilômetros,onde estão os maiores centros de compra e venda de joias dos Estados Unidos. Por isso,ele acionou uma diplomata que havia sido assessora da primeira-dama Michelle Bolsonaro para ver se ela poderia levar a mala — o que não foi feito devido a trâmites burocráticos. “Vocês não têm um motorista para fazer isso. Putz,pessoal do Itamaraty é enroladinho,hein”,reclamou Cid.
Os quatro kits de presentes avaliados em R$ 6,8 milhões foram dados ao governo brasileiro em viagens oficiais a Arábia Saudita e Bahrein entre 2019 e 2021. Um ajudante de ordens foi em voo da FAB tentar liberar as joias retidas pela Receita Federal em Guarulhos,sem sucesso. O ex-presidente tratou dos itens apreendidos com o então chefe da Receita,Julio Vieira Gomes,que tentou achar uma brecha junto aos seus subordinados para reaver os produtos,também sem êxito Para a PF,o presidente coordenou uma tentativa de ficar com as joias criando uma “falsa urgência”.
No dia 4,a Polícia Federal indiciou Bolsonaro,Mauro Cid e mais dez pessoas no inquérito do desvio de joias do acervo presidencial. Os crimes atribuídos são de peculato,associação criminosa e lavagem de dinheiro. Caberá à Procuradoria-Geral da República decidir se oferece denúncia ou pede o arquivamento do caso.
Em nota,a defesa do ex-presidente classificou o inquérito das joias de “insólito” e afirmou que ele “em momento algum pretendeu se locupletar ou ter para si bens que pudessem de qualquer forma,serem havidos como públicos”. Sobre o caso de espionagem irregular na Abin,os advogados ainda não se pronunciaram. Procurados,Itamaraty e a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência disseram que não iriam comentar. Os outros órgãos citados não responderam.