Livros sobre bibliotecas e livrarias poderiam preencher uma estante — Foto: Arte Gustavo Amaral/ Agência O Globo
GERADO EM: 25/07/2024 - 04:30
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Em 2021,Pedro Dória me convidou para fazer com ele um podcast sobre tecnologia no Canal Meio. Começamos com um programa semanal longo,depois passamos para dois episódios semanais mais curtos (que,às vezes,acabam se alongando de qualquer forma,porque os dois gostamos de bater papo) e,em algum momento,decidimos também falar sobre livros. Assim é que,toda terça-feira,no YouTube e em todas as plataformas de podcasts,recomendo um livro para os ouvintes.
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Na semana passada,pegando o mote aqui da coluna,recomendei dois (“A biblioteca dos sonhos secretos” e “Vou te receitar um gato”) como perfeitos modelos da nova onda de literatura de cura; mas fiz uma bobagem,e os apontei como exemplos de biblioterapia — o que eles são,de fato,mas não só eles.
Biblioterapeutas logo se manifestaram e me chamaram a atenção: todo livro pode ser biblioterápico,dependendo das circunstâncias de cada leitor. E sim,existe um ramo da terapia que se chama Biblioterapia,ao qual se dedicam bibliotecários e psicólogos,e que consiste em promover a cura através dos livros. Livros tratam a alma com muita eficiência; todos nós que lemos sabemos disso.
Pablo L. C. Casella,analista ambiental que acaba de publicar seu primeiro romance,“Contra fogo”,pela editora Todavia,me mandou uma mensagem: “Quero compartilhar com você meu entendimento sobre o conceito de biblioterapia,que me parece distinto ao que você levou para o episódio (não contrários,distintos). Entendo que o papel terapêutico da literatura transcende o gênero,não são apenas os livros fofos. Isso porque o funcionamento humano parece ter como inerente a demanda da fabulação. Desde exemplos triviais,banais,como ameaças de adultos para que crianças façam o que entendem ser melhor e mais seguro,até mais sofisticados como as camadas profundas dos contos de fadas.
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“Para mim,a grande função terapêutica da ficção é nos apresentar,em dose atenuada,experiências possíveis com que humanos se deparam em sua vida. Dessa forma,quando vivemos uma experiência que já nos foi apresentada anteriormente pela ficção,não somos pegos de surpresa. Um exemplo,lemos uma ficção sobre divórcio. Se bem-feita,sentimos a angústia da separação,mesmo que nunca tenhamos,nós,nos separado. Se no futuro,eventualmente,nos separamos em nossa vida real,as sensações terríveis dessa experiência serão uma espécie de revisita emocional (por conta daquele mecanismo neuro que não distingue realidade da fantasia,por isso nos assustamos com filmes de terror,nos emocionamos com filmes dramáticos etc.) e,assim,as consequências reais serão atenuadas. Eu faço uma analogia à vacina. A vacina é a injeção em nosso organismo da informação de algo muito ruim em sua forma atenuada para que nosso organismo saiba como lidar quando o algo muito ruim verdadeiro nos acometer”.
Gostei tanto dessa analogia que comentei durante o jantar na casa da minha irmã. Mamãe concordou:
— É verdade. Eu li “Os quarenta dias de Musa Dagh”,de Franz Werfel,quando tinha 15 anos. É um livro sobre o genocídio armênio,e quando começaram as perseguições aos judeus na nossa cidade,eu pensava no livro e não me sentia tão só,exatamente como no Musa Dagh.
“Os quarenta dias de Musa Dagh” está esgotado,mas encontrei um exemplar no Estante Virtual e mandei vir. Um livro que permanece na memória de alguém durante 85 anos só pode ser extraordinário.