Mari Krüger,bióloga e criadora de conteúdo científico nas redes sociais. — Foto: Divulgação
GERADO EM: 08/08/2024 - 04:30
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No universo de cápsulas que afirmam crescer o cabelo,suplementos que dizem aumentar o desempenho cognitivo e milhares de outros produtos que sobram em promessas milagrosas e faltam em comprovação científica,há vozes que remam contra a maré para levar conhecimento sobre ciência para as redes sociais.
Uma delas é a da bióloga e influenciadora digital de 34 anos Mari Krüger,que mistura humor,saúde e evidências científicas numa combinação improvável,mas que rende vídeos que viralizam e acumulam mais de 18 milhões de curtidas apenas no TikTok.
Neles,ela,que também é atriz e DJ,interpreta personagens como alimentos,órgãos e suplementos para transmitir de forma engraçada informação baseada em estudos e,ao mesmo tempo,desmistificar os mitos que circulam aos montes nas redes.
— Vemos influenciadores gigantes com equipes enormes e todo o acesso à informação fazendo promessas milagrosas sem nenhum embasamento científico,e que nem eles adotam para a sua vida. Vendem um produto milagroso quando na verdade o resultado é personal,nutricionista,lipo,melhores médicos possíveis — diz.
Ao GLOBO,Mari conta como a pandemia a levou a começar a publicar vídeos sobre ciência na internet,de que forma acredita que o humor pode ser um aliado para combater as fake news e quais são os principais mitos que vê diariamente nas redes.
O que te levou a começar a divulgar ciência no TikTok?
Eu comecei a fazer os vídeos em 2020. No início,não pensei como uma carreira,foi para ocupar a minha cabeça durante o período em casa. Os primeiros vídeos que apareciam para mim no TikTok eram de pessoas fazendo personagens de partes do corpo. Eu gostava e pensei “vou fazer um desses com o que eu aprendi na biologia”. E deu super certo. Comecei a crescer,estudar sobre o mundo dos influenciadores,investir em equipamentos e isso se tornou minha profissão e principal fonte de renda. Meu trabalho hoje é fazer vídeos sobre ciência na internet.
A ciência por vezes tem fama de ser algo engessado,mas seus vídeos apostam no humor. Como isso contribui?
Sempre fui mais palhaça,gosto muito de vídeos de comédia,canais de humor,então meu conteúdo teria que ser esse. Acabei decidindo unir esses dois mundos e deu muito certo. Acredito que justamente porque a divulgação científica muitas vezes fica nesse lugar de ser chata,complexa,de usar muitos termos técnicos. Sinto que,com o humor,consigo explicar as coisas de uma forma engraçada e leve,que leva as pessoas a entenderem temas que antes eram um monstro de sete cabeças.
Você é muito ativa no TikTok,que é uma das redes sociais que mais cresce no mundo,especialmente entre os mais jovens. Como vê o interesse por ciência da parte deles?
As redes que eu mais trabalho são o TiKTok e o Instagram. Os públicos são bem diferentes,o do TikTok é mais jovem. E acredito que essa geração,por ter vivido a pandemia e todas essas dúvidas que surgiram,é mais interessada por ciência do que a galera da minha idade e mais velha. Vejo eles como mais questionadores,mais interessados,e não só por ciências de corpo humano,mas sobre universo,animais,plantas. E são pessoas que ficaram muito tempo em casa sem ter aula,então essa criação de conteúdo pode ter um papel muito importante.
E fazer rir facilita isso. Eu sou uma grande defensora do humor como forma de ensino,porque tudo que gera uma emoção nas pessoas gera um aprendizado. Às vezes só falar algo para uma câmera não vai gerar o impacto que tem a pessoa lembrar daquela personagem engraçada que eu fiz.
Hoje muitos influenciadores divulgam produtos sem eficácia comprovada com promessas milagrosas. Como vê essa criação de conteúdo que vai no lado oposto do seu?
Sou otimista,então penso que muitas pessoas que promovem esses produtos não sabem que eles não funcionam. Mas às vezes é difícil de acreditar. Vemos influenciadores gigantes com equipes enormes e todo o acesso à informação fazendo promessas milagrosas sem nenhum embasamento científico,melhores médicos possíveis.
E isso envolve não só a saúde,mas o lado social. Vemis várias críticas aos influenciadores que fazem publicidade para os jogos de azar e para mim isso está completamente conectado à divulgação de produtos milagrosos. Você oferece uma solução rápida e prática para um problema e leva uma pessoa que mal tem dinheiro para pagar as contas a gastar com um produto que não vai fazer o que promete,e que pode além disso adiar um diagnóstico e tratamento corretos. A pessoa tem queda de cabelo e acha que a gominha da influenciadora vai resolver e não procura um profissional para entender se aquilo é hormonal,é um problema de pele,um sintoma pós-Covid,por exemplo.
Quais são as fake news mais comuns que chegam até você?
As pessoas me perguntam como eu tenho as ideias para o meu conteúdo e eu respondo que o conteúdo me acha. Eu acordo de manhã e tem milhares de pessoas mandando os absurdos,os novos produtos,novos tratamentos,promessas. Os suplementos que envolvem crescimento de cabelo,unhas,para pele são sempre os que mais aparecem,especialmente motivados por esses comparativos nas redes sociais,em que tudo é perfeito. Porque conseguir esse efeito através de uma cápsula e uma gominha é tudo o que todo mundo queria.
E eles vêm em muitos formatos. Uma pessoa me mandou essa semana que uma influenciadora estava fazendo uma publicidade de gominhas de cabelo,e alguém questionou dizendo que não funcionava. Aí ela rebateu dizendo que “não é gominha,é cápsula”. Mas é a mesma coisa,a mesma formulação sem embasamento científico.
No final das contas todos esses multivitamínicos têm um pouco de tudo e suficiente de nada. Acabam sendo um monte de substâncias que a maioria das pessoas não precisa e que,quem de fato tem deficiência,não vai conseguir corrigi-la com eles. E vejo muito também formulações parecidas com outros intuitos,para dormir,estudar,sempre nessa premissa de várias vitaminas,numa dosagem muito baixa,prometendo inúmeros benefícios.
No meio de tantas promessas,desmistificar esses mitos às vezes pode levar a uma imagem de ser “chato” e render críticas. Como lida com isso?
Usar o humor é uma faca de dois gumes,pode levar as pessoas a entenderem as coisas de uma forma melhor,mas às vezes leva as pessoas a acharem que eu não estou tratando determinado tema com a seriedade com que deveria. Costumo receber bastante “hate” por desmistificar coisas que inclusive alguns profissionais da saúde divulgam. E é comum começarem a atacar o humor,o fato de eu ser jovem,de eu ser mulher. Falam “porque estamos dando bola para essa comediante?” e eu respondo “na verdade eu sou bióloga e as referências científicas citadas estão listadas na legenda”.
Mas esses comentários são minoria. E meu objetivo não é que meu conteúdo seja “a Mari diz que algo funciona ou não funciona”. Quero que as pessoas aprendam a pensar sobre aquilo,que desenvolvam o pensamento crítico. Quando isso acontece,elas conseguem de fato entender porque algo não funciona,e não só aceitam porque viram na internet.
Sobre essa questão de influência responsável,recentemente você fez um vídeo se retratando de algo que tinha publicado. Como foi isso e qual a importância dessa atitude?
Eu postei um vídeo em que falava para as pessoas “arrumarem a postura”,e outro criador de conteúdo que fala sobre fisioterapia fez uma publicação criticando. Ele explicava que não existe uma postura “errada”,o ruim é permanecer muito tempo na mesma postura,ser sedentário. Na hora pensei “fui cancelada”,mas achei interessante o que ele trouxe e fui conversar com um profissional que é médico ortopedista para perguntar sobre. Nós fizemos uma pesquisa juntos e foi quando decidi fazer o vídeo de retratação.
Porque a ciência é justamente sobre isso,se atualizar. Acredito que muitos que propagam desinformação às vezes é porque não se atualizam,não seguem estudando,não buscam os últimos estudos,o que há de mais novo sobre o tema. E o que eu fiz é essencial em toda a criação de conteúdo,não apenas sobre ciência. Errar não é o problema,mas não admitir é.
Acredita que a criação de conteúdo sobre saúde e ciência tem conseguido crescer em meio a tantas fake news online?
Eu sou uma grande defensora da criação de conteúdo. Costumo sempre dizer que a informação precisa estar nas redes sociais porque a desinformação já está lá. Termos eternamente essa sensação de estar remando contra a maré,porque vemos pessoas com promessas falsas crescendo muito mais rápido. Mas por outro lado consigo enxergar de uma forma otimista que cada vez mais há pessoas aprendendo e ensinando na internet.
Muita gente ainda torce o nariz para o “conhecimento de internet”,mas isso está mudando. E o que precisamos é criar uma rede segura de informações,tem muito conteúdo de qualidade nas redes sociais e o importante é saber filtrar e entender quem faz um trabalho sério e relevante e quem só está interessado no dinheiro e na ganância.