Casas destruídas após incursão ucraniana na região russa de Kursk — Foto: Governador da Região de Kursk / AFP
GERADO EM: 10/08/2024 - 04:30
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Quatro dias depois da invasão ucraniana da região russa de Kursk,onde estão uma importante estação de transporte de gás natural para a Europa e uma central nuclear,as forças de Moscou ainda tentam entender o que aconteceu e como expulsar os militares de Kiev de seu território. O ataque foi um dos episódios mais surpreendentes desses dois anos e meio de conflito,e sinaliza que a Ucrânia pode mudar suas ações no front,e que precisa de mais armas ocidentais para isso.
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Segundo fontes militares e analistas independentes,os ucranianos teriam avançado até 35 km dentro do território russo,a maior distância desde o início da guerra,e marcado presença em uma área de até 100 km²,embora isso não signifique que elas chegaram a controlar essa área. Uma tática,revelam blogueiros militares russos,envolve usar pequenos grupos blindados para evitar as fortificações russas na fronteira,e recuar depois do início dos combates com as forças de defesa.
Além dos combates por terra,a Ucrânia lançou drones e foguetes contra posições russas na região de Kursk e contra uma base militar em Lipetsk,deixando vítimas civis,afirmam as autoridades locais,levando a uma declaração de emergência por parte de Moscou — esse tipo de medida é adotada quando há algum incidente,natural ou provocado pelo homem,que deixe mais de 500 vítimas,ou cujos danos superem os 500 milhões de rublos (R$ 31,7 milhões).
Mapa da incursão ucraniana na Rússia — Foto: Editoria de Arte
Pelo último balanço das autoridades de Kursk,cenário de uma das mais importantes vitórias da União Soviética na Segunda Guerra Mundial,3 mil pessoas foram levadas para outras áreas,inclusive a capital russa.
Por motivos operacionais e estratégicos,os ucranianos não revelaram o que queriam ao lançar a invasão usando suas próprias tropas — em infiltrações anteriores,foram empregadas milícias aliadas,por vezes formadas por russos contrários ao governo. Mas eles deixaram alguns sinais no ar para Moscou,para o futuro da guerra e também para o Ocidente.
No Kremlin,o ataque foi recebido com surpresa e insatisfação. Putin foi comedido nas declarações públicas,afirmando que se tratava de uma “provocação de grande porte”.
— O chefe [Vladimir Putin,presidente da Rússia] estava de mau humor... Ele provavelmente não foi visto assim desde que nosso [Exército] foi forçado a recuar de Kherson no outono de 2022 — disse ao site Politika Kozlov um integrante do cerimonial do Kremlin.
Presidente russo,Vladimir Putin,durante reunião ministerial em Moscou — Foto: Gavriil GRIGOROV / POOL / AFP
Segundo a Bloomberg,o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas russas,Valery Gerasimov,teria ignorado alertas da inteligência sobre a concentração de tropas ucranianas na fronteira. Blogueiros militares sugeriram que as linhas de defesa em Kursk,região que faz divisa com Sumy,onde há combates desde fevereiro de 2022,estavam mal equipadas e eram compostas por recrutas,e vídeos mostram alguns deles se rendendo aos invasores. Um episódio considerado vergonhoso para um país que se apresenta como uma grande potência militar.
— Foi um tapa na cara do presidente. Não conseguimos empurrar o inimigo para trás por [três dias]. Um perigo para a população foi criado nas regiões da Rússia. O gás europeu aumentou de preço. Não é assim que um país confiante em sua vitória se comporta — afirmou um integrante do governo ao Politika Kozlov.
Apesar de controlar várias áreas de Kursk,como Sudja,onde fica uma estação de transporte de gás natural para a Europa,Kiev sabe que os reforços russos já estão a caminho,e que deve ser obrigada a recuar. Mas os objetivos podem estar além de uma simples ocupação de terreno.
— A Rússia não tem o poder humano para mandar reforços e manter sua postura de ataque atual,incluindo em Kharkiv e no Leste — disse um oficial do Exército dos EUA ao Washington Post. — Você tem que tirar forças de outros lugares.
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Com problemas na defesa das linhas no Leste,onde os russos conquistaram posições importantes nas últimas semanas,uma eventual realocação de tropas para defender Kursk pode dar algum alívio às linhas ucranianas. Ao New York Times,Andriy Zagorodnyuk,ex-ministro da Defesa da Ucrânia,disse que a redistribuição de forças “mostraria que [os russos] não têm reservas e capacidade de resiliência”.
Nem todos concordam com essa avaliação.
Franz-Stefan Gady,analista militar no Instituto Internacional para Estudos Estratégicos,afirma que a Rússia tem reservas para empregar em Kursk sem afetar outros cenários,incluindo recrutas que,por lei,são impedidos de atuar no país vizinho,mas podem combater em solo russo. Na sexta-feira,o Ministério da Defesa russo anunciou,pela primeira vez,que estava conduzindo operações usando “grupos de forças dos batalhões do Norte e de reservas”,além de “ataques de aviação e artilharia”. Até o momento,não há sinais de movimentações de tropas,tampouco de novas ondas de convocações.
— Isso [ofensiva na Rússia] realmente resolve alguns dos maiores problemas estratégicos militares que as outras partes da linha de frente estão sofrendo? — questionou o analista militar Franz-Stefan Gady ao New York Times.
Imagem de satélite mostra ataque russo contra blindado ucraniano na região de Kursk,na Rússia — Foto: Ministério da Defesa da Rússia / AFP
Em termos práticos,a invasão também foi um teste das defesas russas. Com o sucesso ao menos inicial da ofensiva,os ucranianos podem tenta replicá-la em outras áreas,incluindo na Península da Crimeia,anexada pela Rússia em 2014,um movimento não reconhecido pela comunidade internacional.
“Os russos têm ficado nervosos com incursões adicionais,por exemplo,de Hlukhiv a Rylsk (região de Kursk). Se a Ucrânia quiser explorar a situação ainda mais e se estiver pronta para comprometer mais forças,devemos ver mais ataques de novas direções acontecendo em um futuro muito próximo”,afirmou no X Emil Kastehelmi,analista e historiador militar. Mas ele destaca os riscos dessa estratégia,especialmente porque o Exército ucraniano tem poucos combatentes disponíveis.
Kiev também parece olhar para além das linhas de frente. Ao mostrar que conseguiu quebrar as linhas russas e atingir posições ofensivas na Rússia,o presidente,Volodymyr Zelensky,eleva a pressão sobre os aliados,em especial os EUA,para que permitam o uso das armas ocidentais em ataques em solo russo,sem restrições. Oficialmente,os equipamentos podem ser empregados apenas em ações próximas a áreas de fronteira.
Washington tem relutado em dar sinal verde,por temer que isso seja entendido como uma participação de fato da Otan,a principal aliança militar do Ocidente,na guerra,muito embora tenha sinalizado não se opôr à ofensiva em Kursk.
— Nada mudou em nossa política e,com as ações que eles [ucranianos] estão tomando hoje [quarta-feira],eles não estão violando nossa política — disse Matthew Miller,porta-voz do Departamento de Estado.