Escola de Ensino Médio de Tempo Integral Joaquim Bastos Gonçalves,no Ceará — Foto: Reprodução
GERADO EM: 26/08/2024 - 04:32
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Uma reportagem de Bruno Alfano na semana passada,no GLOBO,mostrou que escolas em tempo integral têm desempenho melhor no Ideb do que as demais unidades na rede pública. A conclusão,feita a partir de um levantamento realizado pelos institutos Sonho Grande e Natura,é mais uma a identificar aspectos positivos dessa política. É preciso,porém,muita atenção à implementação. Ela pode,por exemplo,ampliar desigualdades ou resultar num desempenho mais favorável ao tempo integral apenas – ou principalmente – por causa do perfil de aluno atraído por esses estabelecimentos.
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Por exemplo,ao avaliarem a expansão desse modelo no Brasil,Daniel Duque,Milena Mendonça e Michael França (Núcelo de Estudos Raciais do Insper) identificaram que a implementação de escolas em tempo integral está ocorrendo predominantemente em áreas com maior proporção da população branca. Os pesquisadores constataram,que há muita variação entre redes estaduais,sendo,neste caso específico,São Paulo um exemplo negativo de expansão com aumento da desigualdade racial.
O trabalho foi apresentado na semana passada no seminário “Diálogos pela Equidade na Educação: contribuições da pesquisa aplicada”,realizado pela Fundação Lemann,Centro Lemann de Liderança para Equidade na Educação e pelo Núcleo de Estudos Raciais do Insper. No mesmo evento,Roberta Biondi,pesquisadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Educação e Economia Social da USP,apresentou impactos da expansão do tempo integral nas redes estaduais de São Paulo e do Ceará. Ela identificou resultados positivos na aprendizagem e diminuição da evasão,mas uma constatação da pesquisa corrobora o risco de ampliação das desigualdades: escolas paulistas onde houve migração de alunos para estabelecimentos de tempo integral verificaram queda no desempenho,provavelmente pela mudança no perfil do alunado.
Especialmente em escolas de ensino médio,esse é um risco a ser considerado. Por exemplo,a transformação de uma escola de tempo regular para integral pode levar alunos de menor renda,com mais necessidade de trabalhar ou conciliar afazeres domésticos,a mudar de escola ou,pior,abandonar os estudos. Por isso são tão importantes políticas que olhem também para fatores extraescolares. O Pé-de-Meia,do governo federal,é um bom exemplo disso,mas,isoladamente,não resolverá todos esses problemas.
Outro risco a ser evitado – e a boa notícia aqui é que algumas redes têm conseguido evitar isso – é o de escolher escolas já de melhor infraestrutura para iniciar a expansão do tempo integral. Conforme destacou no mesmo evento o pesquisador Ricardo Paes de Barros (Insper),se a expansão do modelo não priorizar de início as áreas que mais precisam,a tendência é os estabelecimentos com melhor infraestrutura (que,em geral,atendem alunos de maior nível socioeconômico na rede pública) serem os escolhidos. Essa não é uma decisão simples dos gestores do sistema,pois envolverá mais investimento na adaptação da estrutura de escolas em áreas mais precárias. Mas é exatamente isso que se espera de uma política voltada para a equidade.