Quem visitou os pontos mais altos da cidade conseguiu observar a névoa que encobre a capital carioca — Foto: Ana Branco/Agência O Globo
GERADO EM: 11/09/2024 - 04:30
O Irineu é a iniciativa do GLOBO para oferecer aplicações de inteligência artificial aos leitores. Toda a produção de conteúdo com o uso do Irineu é supervisionada por jornalistas.
LEIA AQUI
Era por volta das 9h30 desta terça-feira,quando a dona de casa Maria Márcia Macedo,65 anos,carregando um lenço e caminhando lentamente,chegou ao Centro municipal de Saúde Heitor Beltrão,na Tijuca,Zona Norte do Rio. Usando uma máscara e com muita dificuldade para respirar,a idosa estava convencida de estar com Covid-19. Há quatro dias,Maria vem apresentando tosse,falta de ar e dores no corpo e,por isso,decidiu buscar ajuda. Porém,a idosa se surpreendeu com o resultado negativo para o novo coronavírus.
Sem chuva: estiagem prolongada no Estado do Rio deixa sistemas de abastecimento de água em estado de alertaEspecialista em voos de avião,balão e produtor cultural: quem é o piloto do Rio que desapareceu na Venezuela
— Estou me sentindo mal. Eu nunca tive Covid-19. Fiquei desconfiada porque estou sentindo parece sintoma gripal,por isso decidi fazer o teste. Faz uma semana que da janela da minha casa consigo ver uma neblina densa e escura sob as árvores. Não parece nuvens,é algo mais denso. Quando abro a janela entra aquele ar quente e começo a espirrar. Talvez o ar poluído esteja me deixando doente. Isso é preocupante. Onde eu moro tem bastante vegetação,mas de nada adianta se o ar está poluído.
Os mesmo sintomas se repetem com Maria Diniz,62,moradora do Grajaú. Ela conta que há seis dias começou a ter uma tosse seca,que evoliuiu para uma crise respiratória. Ao ir à unidade da saúde se deparou com fila de pessoas na mesma situação.
— Acho que esses sintomas devem ter relação com o ar ruim. De manhã a gente vê que o céu não está amanhecendo limpo. Faz meses que não tenho sintoma de gripe. Acho estranho estar doente assim do nada. Não é possível ser coincidência — questionou Maria.
Cariocas buscam unidades de saúde com sintomas de falta de ar — Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo
O GLOBO apurou que até 10h20 da manhã desta segunda-feira,a unidade havia realizado 25 testes de Covid,sendo seis positivos e 19 negativos. Segundo o secretário municipal de saúde do Rio,Daniel Soranz,a rede municipal teve um aumento de 31,2% de casos de asma e 29,8% de casos de bronquite aguda entre janeiro e agosto deste ano em comparação com o mesmo período de 2023. Soranz ressalta que apesar da qualidade do ar está sendo relativamente afetada pela baixa umidade,o Rio é uma das capitais que tem a melhor qualidade de ar do país em função da proximidade com o mar e por estar cercada pela Floresta da Tijuca. Mesmo assim,segundo o Alerta Rio,nos próximos dias a umidade relativa do ar poderá apresentar valores ainda mais baixos entre 21% e 30% no período da tarde em algum ponto da cidade. Este percentual está longe de ser o ideal considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS),que é de 50% a 60%.
— A questão da qualidade do ar é devido a uma variação de umidade que pode estar causando sintomas respiratórios. O Rio não é uma cidade que tem problema de qualidade do ar,mas tem problema de umidade que explica esse conjunto de sintomas mais alérgicos. Nesse período do ano é uma época que a gente percebe um aumento de doenças respiratórias. Quando a gente tem umidade do ar mais baixa é mais fácil pegar uma virose porque as partículas ficam mais tempos no ar e facilitam a infecção e crise alérgica — explicou o secretário.
Dados da Secretaria Municipal de Saúde afirma que dos pacientes que tiveram sintomas respiratórios este ano,46,4% foram por infecção por Rinovírus 33,9 por Covid,10,7 por Influenza,5,4% por VSR,2,7% por Adenovírus e 0,9 por Influenza tipo B. Dos casos analisados,43% dos pacientes não tinham patógenos,ou seja,as crises e sintomas foram causadas por questões alérgicas.
— Recomendamos que as pessoas fiquem em ambientes arejados,deixe o sol entrar no ambiente e esteja sempre com algum recipiente como toalha molhada para aumentar umidade do local. Para quem puder,usar um umidificar de ar,plantas no ambiente ajudam a manter a umidade equilibrada. É importante também ficar atendo aos ácaros e coisas que possam provocar mais alergias — disse o secretário ao detalhar o que precisa ser feito em casos de sintomas:
— Se a pessoa só teve sintoma respiratório leve não precisa fazer nenhuma medicação. O ideal é a mudança de hábito para ela conseguir estar no ambiente com umidade melhor. Se ela tem outros sintomas de gravidade como febre,ai,sim,ela precisa passar pelo médico ou falta de ar intensa. A grande maioria dos sintomas são muito leves e se resolve com melhoria da umidade do ar. Beber sempre de dois a três litros de água por dia.
Neuza Machado de Almeida,de 83 anos,moradora da Zona Sul do Rio,conta que na semana passada foi até a farmácia e realizou um auto teste de Covid que deu positivo. A partir disso,ela adotou todos os cuidados: usou máscara,levava as mãos com frequência e evitava espirrar em cima das pessoas. Nove dias depois,a aposentada — diagnosticada com sinusite — continuou sentindo dificuldade para respirar e tosse seca.
— Pioro quando o ar está ruim. Tenho mais dificuldade em respirar. Os meus olhos e ouvidos ficam coçando. Fico preocupada com essa situação. Fiz o teste no posto e deu negativo. Nove dias depois de ter tido Covid,continuo me sentindo mal.
O aposentado Joaquim da Encarnação Azevedo,de 70 anos,que mora na Tijuca,disse que desde domingo vem tendo dificuldade para respirar. A tosse seca tem atrapalhado o idoso a seguir a rotina de caminhar e fazer exercícios.
— Não consigo caminhar e fazer meus exercícios diários porque me sinto cansado. Uso a máscara,mas não adianta. A nebulização tem me ajudado. Acho que essa baixa umidade está causando problemas para nós,idosos.
Gilmar Sonzin,pneumologista e ex- presidente da Sociedade Estadual de Pneumologia do Rio de Janeiro (Sopterj) explica que o ar seco e a carga de poluição aumentada estão ocasionando uma “agressão das vias respiratórias”,causando sintomas que são semelhantes a crises virais.
— As pessoas estão respirando um ar pesado,seco e carregado. Esse ar poluído consegue atuar nas vias aéreas e no pulmão de alguém que já tenha,por exemplo,uma doença respiratória crônica. De repente,a pessoa está voltando a ter crise porque o ar poluído faz exacerbação. Temos uma enormidade de vírus respiratórios,a Covid e Influenza são exemplos. A gente vem tendo muita ocorrência de virose respiratórias comuns e inespecíficas,onde os sintomas são parecidos: tosse seca,dor de garganta,dor de cabeça,fadiga e falta de ar. No entanto,observamos ser um vírus respiratório daqueles inúmeros que não são identificáveis,mas produzem sintomas. A agressão ao trato respiratório está sendo causada pela poluição do ar,baixa umidade e circulação atípica de vírus sazonais que estão se proliferando mesmo com a temperatura elevada — afirmou Sonzin ao detalhar que houve uma mudança de comportamento do vírus.
— Antes,as viroses vinham em determinado período do ano,geralmente no outono e inverno. A nossa percepção é que isso foi quebrado após as questões que envolveram a pandemia e a mudança climática mudarem as características do ar.