Entregadores são destaque entre os trabalhadores informais — Foto: Márcia Foletto/6-10-2023
Puxada pelas ocupações sem carteira assinada,a jornada de trabalho no Brasil mostra movimento de queda desde 2022,impactada por mudanças de hábitos após a pandemia de Covid-19 e pela ampliação de benefícios sociais. Analisada no geral,a diminuição na carga horária parece tímida,mas é significativa em algumas atividades,especialmente considerando o período curto de tempo.
Imóveis: Minimercado,área para pet e espaço instagramável são os novos sonhos de consumo no mercado imobiliárioCrise: Por que os trabalhadores da Boeing rejeitaram um novo contrato? Entenda
Em apenas dois anos,do primeiro trimestre de 2022 para o mesmo período de 2024,houve encurtamento médio de 1 hora da jornada de trabalhadores informais de serviços domésticos por semana,ou 3,4%. No caso de trabalhadores sem carteira do segmento de alojamento e alimentação,a redução média é de 30 minutos,ou 1,4%.
Carga horária: Veja como a semana de quatro dias transformou a economia de um país. Saiba qual
Os dados fazem parte de um levantamento feito pelo pesquisador Daniel Duque,do Ibre/FGV,considerando as horas habitualmente trabalhadas,conforme informações do IBGE. No geral,a queda na jornada média semanal dos trabalhadores informais foi de 0,8%. Ao todo,contando com o setor formal,o recuo é de 0,2%.
Há também movimentos de redução do dia de trabalho para as pessoas que trabalham com serviços domésticos e alojamento e alimentação com carteira assinada,de 1,2% e 1,1%,respectivamente. As atividades de indústria,comércio e agropecuária em que os trabalhadores são informais também mostram queda na jornada,todas de 0,8%. Já os trabalhadores sem carteira assinada da construção tiveram recuo de 0,5% na carga horária.
Duque explica que,ao contrário dos empregos com carteira assinada,cujos contratos de trabalho são mais rígidos em termos de carga horária,fixados normalmente em 40 horas ou 44 horas semanais,os informais são mais flexíveis. E,portanto,podem mudar rapidamente em caso de transformações econômicas ou sociais.
Em sua avaliação,o movimento recente está vinculado com o aumento do valor e da ampliação dos benefícios sociais nos últimos anos,como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Ele pontua que a queda observada de 2022 para cá coincide com o aumento do antigo Auxílio Brasil de R$ 200 para R$ 600. No ano da última eleição presidencial,o número de famílias atendidas aumentou 50%,de 14,5 milhões para 21,6 milhões. Atualmente,são 20,7 milhões.
Investimento: Petrobras vai retomar fábrica de fertilizantes parada desde 2014
Já a concessão do BPC aumentou 40% na comparação do primeiro semestre de 2024 com o mesmo período do ano passado. O BPC é um benefício de um salário mínimo (hoje em R$ 1.412) pago por mês ao idoso de baixa renda com idade igual ou superior a 65 anos ou à pessoa com deficiência de qualquer idade.
Duque afirma que,no setor informal,as horas trabalhadas são muitas vezes definidas pela própria pessoa. No caso de empregos de baixa qualificação,o custo-benefício de uma hora a mais de trabalho é pequeno,considerando a renda modesta.
Por isso,a obtenção ou o aumento de uma renda social pode induzir à redução da jornada. Por exemplo,pessoas que trabalham com serviços domésticos,podem reduzir a carga horária de seis dias por semana para quatro,por exemplo.
Mercado de trabalho: Desemprego cai para 6,6% em agosto,menor taxa para o mês desde o início da série
Em tese,essa redução na oferta de trabalho reduz o potencial de produção da economia,mas Duque diz que há nuances positivas. Primeiro,é preciso considerar a qualidade e a vulnerabilidade do trabalho. Além disso,acrescenta o pesquisador,se um jovem deixar de trabalhar para estudar,vai produzir efeitos favoráveis no médio e longo prazo:
— Caso isso leve a uma maior qualificação dos jovens,tem efeito melhor no futuro.
Já o economista Bruno Imaizumi,da LCA Consultores,considera que a redução na carga horária pode estar mais relacionada com as mudanças de comportamento após a pandemia de Covid-19.
— É bem claro o que explica a redução de jornada em serviços domésticos. Desde a pandemia,temos um contingente de pessoas trabalhando remotamente. Isso faz com que elas fiquem mais em casa e assumam responsabilidades nas tarefas domésticas. Muitos trabalhadores domésticos deixaram de ser mensalistas e passaram a ser diaristas. Há um movimento forte de trabalhadores com carteira para sem carteira nesse segmento também.
No caso de alimentação e alojamento,o economista da LCA aponta dois fatores principais para a redução de jornada: o crescimento de aplicativos de entrega e a redução do poder de compra,que ainda não voltou aos patamares pré-pandemia,considerando o aumento do custo de vida:
— Os aplicativos acabam oferecendo uma flexibilidade maior,o que permite que os estabelecimentos reduzam horas de trabalho ou consigam operar de forma mais dinâmica,com menos funcionários.
A redução na jornada de trabalho,porém,não vem acompanhada de redução de salários,pelo contrário. Todos os segmentos analisados tiveram aumento no rendimento entre o primeiro trimestre de 2022 e 2024.
Os trabalhadores informais de serviços domésticos tiveram ganho de quase 8%,enquanto,em alojamento e alimentação informal,o avanço foi de 14,8%. A renda por hora trabalhada cresceu 18,8% em termos reais desde o início de 2022 no setor informal,frente a 13,4% no setor formal.
Para Duque,essa constatação só reforça o excelente momento do mercado de trabalho atualmente. A taxa de desemprego está em 6,6% no trimestre encerrado em agosto,a menor para o período da série histórica,iniciada em 2012.
— O mercado de trabalho está muito aquecido. Os trabalhadores estão conseguindo aumento de rendimento mesmo com a redução da carga horária —diz Duque.