Os ministros Fernando Haddad e Simone Tebet — Foto: Cristiano Mariz / Agência O Globo
GERADO EM: 30/10/2024 - 21:14
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O acordo interno do governo sobre as medidas fiscais tem mais relevância do que parece. Normalmente,em qualquer governo,há visões diferentes de onde se esteja. Nesse,a Casa Civil quer mais investimento para viabilizar o PAC e a Fazenda quer reforçar o arcabouço fiscal. Os dois ministérios chegaram em entendimento sobre isso e agora é redação,avaliação jurídica e anúncio. A estratégia para abreviar o tempo no Congresso será apensar as medidas a alguma proposta de emenda constitucional que esteja tramitando. O que se fala no governo é que a dinâmica dos gastos obrigatórios tem que ser compatível com os limites do arcabouço fiscal. Isso é bem difícil.
O arcabouço permite um crescimento de despesas,mas com limites estreitos. Elas podem subir acima da inflação dentro de uma banda de 0,6% a 2,5%,e apenas 70% da alta real das receitas. É dupla trava. O economista Samuel Pessoa diz que o arcabouço foi bem recebido quando foi votado,mas todo mundo viu que havia inconsistências. Uma delas é exatamente o que é mais caro para o presidente Lula.
—A regra de indexação dos benefícios ao salário mínimo é incompatível com o arcabouço porque ele eleva o custo das políticas públicas vinculadas ao salário mínimo a uma velocidade maior do que o limite. Entende-se perfeitamente o desejo do presidente Lula de dar aumento real ao salário mínimo,ele deseja que o ganho de produtividade da sociedade seja compartilhado com os trabalhadores de baixa renda. Mas a indexação dos benefícios ao salário mínimo,que está tendo aumento real,gera crescimento das despesas públicas a uma velocidade insustentável. Há outra inconsistência. Os gastos de saúde e educação crescem 100% da receita corrente líquida.
Não é fácil a vida de quem quer fazer ajuste fiscal. Há pressões de cada ministério setorial,há desejos do governo de ter a gestão aprovada pela população,há mudanças do país que impactam principalmente os gastos com a previdência. O orçamento é engessado. Existem mínimos constitucionais para saúde e educação. Como resolver essa equação tem sido o tormento de todo governo que tenta a sério ajustar as contas públicas. O ministro Fernando Haddad e a ministra Simone Tebet têm tentado seriamente. Antes de tudo,tiveram que consertar os estragos do vale-tudo eleitoral que foi a política econômica de 2022.
A dívida pública está alta e subindo,o déficit a alimenta,tanto quanto os juros altos. Reduzir a Selic,sem queda da inflação,pode ter efeito bumerangue porque alimenta a desconfiança,a inflação e contrata juros mais altos e elevação do risco. Por isso,a solução é ajuste das despesas,mas quando os economistas bradam “cortem os gastos” são poucos os que saberiam dizer exatamente onde cortar se estivessem no governo,dadas as limitações constitucionais que existem. É uma construção árdua de consensos técnicos e políticos para se avançar em qualquer reforma na estrutura dos gastos públicos no Brasil. Em entrevista na porta da Fazenda,o ministro Fernando Haddad confirmou que está na fase final da preparação das medidas.
— O meu trabalho é esse,tentar entregar a melhor redação possível para que haja compreensão do Congresso e nós possamos sair desse redemoinho que não faz sentido à luz dos indicadores econômicos do Brasil.
Ontem mesmo saiu o dado do Caged de criação de 248 mil vagas em setembro,a PNAD do IBGE deve mostrar hoje com nova queda da taxa de desemprego para 6,5%. E o PIB está crescendo ao ritmo de 3%,acima do esperado pelo segundo ano consecutivo.
O problema é que a inflação não dará sinais de alívio nos próximos meses,exceto na conta de luz. O petróleo está caindo,mas seu efeito é anulado pela alta do dólar. A inflação de outubro deve vir em 0,51%,segundo a LCA. A consultoria projeta em 4,7% em 12 meses devido à alta dos alimentos. O item mais delicado,alimentação no domicílio deve ficar acima de 1% em cada um dos três meses finais do ano,e deve fechar o ano,segundo a MB Agro em 7,6%. A queda do preço da carne já foi completamente revertida este ano,em que o item subiu forte pelo fim do ciclo do boi,que havia beneficiado o consumidor no ano passado. Tudo isso cria esse quadro de economia com boas notícias sim,mas com pontos de preocupação e essa real necessidade de ajuste fiscal para fortalecer o marco fiscal.
(Com Ana Carolina Diniz e Luciana Casemiro)