Ronnie Lessa,condenado pelas mortes de Marielle Franco e Anderson Gomes — Foto: Reprodução
GERADO EM: 03/11/2024 - 19:16
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Em seu acordo de colaboração premiada,Ronnie Lessa,condenado por executar Marielle Franco e Anderson Gomes,negou ser um “matador de aluguel” e afirmou: a vereadora foi a única pessoa que ele matou por dinheiro. A declaração contraria a investigação da Polícia Federal,que qualificou o ex-PM como um “notório sicário” no relatório final do caso. O trabalho da PF aponta indícios da participação de Lessa em mais de uma dezena de homicídios a soldo cometidos ao longo dos últimos 20 anos. No entanto,apesar de pistas indicarem o envolvimento do ex-PM,todos os casos seguem em aberto na Polícia Civil e no Ministério Público do Rio (MPRJ),sem solução. A primeira e — até agora — única condenação de Lessa pelo crime de homicídio foi a da última quinta-feira.
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Três homicídios em que há indícios da participação de Lessa vieram à tona quando o MPRJ passou a analisar dados da quebra do sigilo telemático do ex-PM durante o caso Marielle. Ao vasculhar suas buscas na internet,os investigadores detectaram que,dias antes de execuções com assinatura profissional,Lessa pesquisou dados pessoais das vítimas. Um dos casos foi o do ex-deputado estadual Ary Brum,assassinado a tiros na manhã de 18 de dezembro de 2007,numa execução com modus operandi praticamente idêntico ao do homicídio de Marielle: os criminosos emparelharam com o carro de Brum na Linha Vermelha e o atirador fez os disparos com ambos os veículos em movimento. Dois meses antes,em 2 de outubro de 2007,Lessa pesquisou o CPF do ex-deputado.
O inquérito do caso,obtido pelo GLOBO,tem várias menções a Lessa. A investigação da Delegacia de Homicídios (DH) concluiu que o assassinato do político foi encomendado por um sócio,o empresário Lindenberg Sardinha Meira,que culpava Ary Brum por um prejuízo milionário: Meira teria descoberto um desfalque nas contas do Hospital Quarto Centenário,em Santa Teresa,uma sociedade dos dois. O relatório da investigação aponta que os dois brigaram na véspera do crime e,em seguida,o empresário teria ordenado que seus seguranças,todos policiais,matassem Brum. Lindenberg Meira foi denunciado pelo Ministério Público e virou réu pelo homicídio. Mais de uma década depois,acabou absolvido por falta de provas.
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Os atiradores nunca foram identificados,mas,dois meses após o crime,uma carta anônima enviada à delegacia apontava Lessa como um deles: “o grupo de assassinos contratados por Meira é liderado pelo PM Roni Lessa,matador profissional” — o nome foi escrito de forma errada. O denunciante também escreveu que os homicídios cometidos por Lessa “são executados com um fuzil AK47” e ainda orientou a polícia: “Se comparar os cartuchos poderá confirmar que há relação das mortes com a mesma arma usada por Lessa”. Todos os fuzis da Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF),onde Lessa trabalhava à época,cedido pela PM,foram apreendidos,mas a perícia não conseguiu concluir se as armas foram responsáveis pelos disparos que mataram Brum.
As buscas de Lessa na internet também trouxeram à tona suspeitas da participação do PM nos homicídios dos irmãos Ary (homônimo de Brum) e Humberto Barbosa Martins,em 6 de novembro de 2006. Os dois estavam dentro de um Golf e saíam de um posto de gasolina,no Centro do Rio,quando foram atacados. Nos dias 2 e 9 de outubro — um mês antes do duplo homicídio —,Lessa pesquisou dados de Ary Martins e de sua mulher.
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O crime tinha outra conexão com Lessa: a DH concluiu,à época,que o mandante havia sido o mesmo do crime que vitimou Ary Brum,o empresário Lindenberg Meira. O alvo seria somente um dos irmãos,Ary Martins,que trabalhava numa empresa que concorria com uma firma do empresário. Assim como no caso Ary Brum,após apontar o mandante,a polícia não aprofundou a investigação na direção dos executores. Meira chegou a ter prisão decretada,mas não foi condenado.
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Outro indício da participação de Lessa em um crime foi encontrado no dia em que ele foi preso pelos assassinatos de Marielle e Anderson,em 2019. Na ocasião,a polícia apreendeu,em sua casa,partes do inquérito que apurava o homicídio de Alexandre Farias Pereira,então presidente da Associação de Vendedores do Mercado Popular da Rua Uruguaiana,o camelódromo do Centro do Rio. Em 18 de maio de 2007,Pereira foi executado quando passava de picape pela avenida Brigadeiro Lima e Silva,em Duque de Caxias,na Baixada Fluminense.
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Em sua casa,Lessa guardava o depoimento em que o filho da vítima expunha à Polícia Civil a guerra pelo domínio do mercado popular. Grampeado ao relato,havia um bilhete com os dizeres “Periquito mandou sarquear” — expressão que,no jargão policial,quer dizer pesquisar,levantar informações. “Periquito”,segundo o MPRJ,é o apelido de um suspeito de ser mandante do crime,que disputava com a vítima o controle do Camelódromo. Lessa nunca explicou como e por que teve acesso ao depoimento sigiloso.
Em outros casos,o ex-PM chegou a ser intimado para prestar depoimento como suspeito. Um deles foi o da morte de Rogério Mesquita — apontado como braço-direito do bicheiro Maninho —,assassinado na manhã de 24 de janeiro de 2009,em Ipanema. O crime segue sem solução.
— Me chamaram umas três vezes na delegacia por causa da morte do Rogério Mesquita. No final,com um detetive,inspetor,nós batemos boca e a partir daí eu virei um matador de aluguel — disse Lessa numa das audiências do Caso Marielle no STF.
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No acordo de colaboração que assinou com a PF,Lessa admitiu,além dos homicídios de Marielle e Anderson,mais um duplo assassinato: o do casal André Henrique da Silva Souza,o ex-PM André Zóio,e Juliana Sales de Oliveira,executado a tiros na Gardênia Azul,em junho de 2014. O executor,no entanto,explicou que não foi contratado como pistoleiro: matou Zóio por conta de um desentendimento envolvendo negócios com máquinas eletrônicas.
Lessa também mencionou que,na época do monitoramento de Marielle,foi contratado para matar outra mulher: a então presidente do Salgueiro,Regina Celi. Recebeu a missão do mesmo intermediário do homicídio da vereadora,o sargento Edmilson Oliveira da Silva,o Macalé,mas o homicídio não foi consumado. O ex-PM nega envolvimento com os demais casos.
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