Pessoas depositam votos em seção de votação antecipada no Michigan — Foto: JEFF KOWALSKY / AFP
GERADO EM: 04/11/2024 - 21:31
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Como é de praxe nas eleições para presidente nos EUA,os estados-pêndulo — ou swing states — funcionam como fiel da balança no sistema eleitoral,atraindo especial atenção dos candidatos. As urnas se fecham hoje para dar início à apuração dos votos e,ao longo da última semana,as campanhas da vice-presidente Kamala Harris e do ex-presidente Donald Trump se voltaram para os sete estados que definirão a disputa deste ano: Pensilvânia,Geórgia,Michigan,Wisconsin,Nevada,Arizona e Carolina do Norte.
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A apertada corrida no país conta com mais de 200 milhões de eleitores aptos a votar e,com Kamala e Trump tecnicamente empatados nas pesquisas,tudo indica que o resultado dependerá de algumas dezenas ou centenas de milhares de votos nesses estados-chave.
Primeiro,é importante entender como funciona o sistema eleitoral americano. Diferentemente do Brasil,o país adota um esquema de votação indireta conhecido como Colégio Eleitoral. Nele,os cidadãos votam em delegados,que posteriormente elegerão de fato o presidente. O número de delegados por estado varia e é proporcional ao tamanho da sua população.
Na esmagadora maioria dos estados,predomina a regra chamada "o vencedor leva tudo": o candidato mais votado pelos eleitores de um estado leva o voto de todos os delegados dele. As únicas exceções são Maine e Nebraska,que dividem os delegados por distrito.
Além disso,na maioria dos estados há a predominância de um partido. A Califórnia,por exemplo,sempre elege democratas,enquanto o Kentucky historicamente vota nos republicanos. Por isso,o que estará em disputa hoje é o voto nos estados-pêndulo,os que variaram de sigla nas últimas eleições.
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Os sete swing states deste pleito correspondem a 93 dos 538 delegados em disputa. Para se tornar presidente dos EUA,é preciso obter 270 delegados,isto é,maioria simples do total. Hoje,Kamala tem o apoio de 226 e Trump,219.
Estado-chave com o maior número de delegados (19 no total),a Pensilvânia é considerada por analistas políticos como a "joia da Coroa" da eleição. Em quase 30% dos cenários,o candidato que conquistar a Pensilvânia,leva a Casa Branca — o maior percentual entre todos os demais. Desde os primórdios da democracia no país,o estado é conhecido como a "pedra angular" do Colégio Eleitoral.
Parte do chamado Cinturão da Ferrugem,a Pensilvânia viveu momentos de glória como a capital industrial do país durante a Era Dourada,no início do século XX. No entanto,a decadência na indústria americana nas últimas décadas impactou fortemente a sua economia.
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Kamala aposta nos grandes projetos de infraestrutura lançados pelo presidente Joe Biden e no apoio dos sindicatos para ser eleita na Pensilvânia. Pesquisas mostram uma vantagem para ela em Filadélfia e Pittsburgh,as duas maiores cidades do estado. Trump,por outro lado,conta com o endosso da população rural. Foi inclusive num comício em uma dessas cidades rurais,Butler,que Trump foi alvo de uma tentativa de assassinato em julho.
Donald Trump toca sua orelha enquanto fala em comício de campanha em Butler,Pensilvânia — Foto: Doug Mills/The New York Times
O aumento no custo de vida e a crise na indústria levaram muitos trabalhadores do estado a virarem as costas para o Partido Democrata. Entre 1992 e 2012,a Pensilvânia,junto com Michigan e Wisconsin,também estados-pêndulo,faziam parte da chamada Muralha Azul,estados que sempre votaram em democratas.
Tudo mudou em 2016,quando o magnata ganhou a disputa pela Casa Branca contra Hillary Clinton na Pensilvânia por 44 mil votos de diferença,uma margem de 0,7 ponto percentual. Em 2020,Biden o derrotou no estado por apenas 0,2 ponto percentual de vantagem,cerca de 81 mil votos.
Berço da indústria automobilística,o Michigan,com 15 delegados,tem muitas características similares à Pensilvânia. Além de integrar o Cinturão da Ferrugem e sofrer com o declínio do setor industrial,o estado do Meio Oeste também tem uma grande população rural.
Kamala conquistou o apoio do principal sindicato automobilístico do estado,UAW,mas Trump tem capitalizado em cima do aumento do custo de vida para mobilizar a classe média,apresentando-a como herdeira de um mandato que sofreu com a inflação.
Há,porém,uma particularidade no Michigan que pode ser decisivo no pleito: o estado abriga a maior população árabe do país,que acusa o governo de Biden — e,na esteira,Kamala — de ser conivente com a situação na Faixa de Gaza ao financiar o esforço de guerra de Israel desde o ataque de 7 de outubro de 2023,perpetrado pelo grupo terrorista Hamas.
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Durante as primárias democratas,mais de 100 mil pessoas deram um voto de protesto no estado,elegendo delegados "descomprometidos" com Biden. Ou seja,um endosso ao partido,mas não ao presidente,que era cabeça de chapa na época.
Em 2020,o eleitorado foi muito importante para a vitória apertada de Biden no Michigan por 2,8 pontos percentuais,cerca de 154 mil votos de vantagem. Estima-se que 211 mil pessoas sejam de origem árabe no estado,cerca de 2,1% da população.
Em 2016,o estado surpreendeu ao eleger Trump na disputa contra Hillary. Na época,ele venceu por menos de 0,5 ponto percentual,cerca de 10 mil votos.
Terceiro a rachar a Muralha Azul em 2016,o Wisconsin é um estado do Meio Oeste com 10 delegados. Parte do Cinturão da Ferrugem,também carrega semelhanças com Michigan e Pensilvânia em relação à decadência industrial e ao ressentimento da classe trabalhadora com os democratas,sobretudo entre homens brancos de baixa escolaridade,um estrato cativo de Trump.
Como no restante do país,o estado também considera a economia o tema mais importante da eleição. Em julho,os republicanos escolheram a maior cidade do Wisconsin,Milwaukee,para sediar a sua Convenção Nacional.
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A vitória apertada de Biden em Wisconsin em 2020 foi fundamental para garantir sua vitória contra Trump. O democrata levou o estado por 0,6 ponto percentual,cerca de 20 mil votos. Quatro anos antes,Hillary rompeu o ciclo de vitórias no estado por menos de 1 ponto percentual,uma diferença de 22 mil votos para Trump.
A Geórgia é considerado o segundo estado-pêndulo mais importante da eleição,através apenas da Pensilvânia. No coração do sul do país,tradicionalmente conservador,por muitos ciclos eleitorais o estado destinou seus 16 delegados ao Partido Republicano.
Mas o assassinato do afro-americano George Floyd por policiais em Minneapolis em 2020,que motivou a onda de protestos Black Lives Matter ao redor do país,foi especialmente definidora na Geórgia,que abriga uma grande população negra,sobretudo na cidade de Atlanta.
O movimento foi fundamental para a vitória apertada de Biden no estado em 2020,por uma diferença de 11 mil votos,cerca de 0,3 ponto percentual — quatro anos antes,Trump venceu Hillary com folga por 5,1 pontos percentuais,mais de 211 mil votos.
Manifestantes erguem os punhos durante protesto do Black Lives Matter em Minneapolis. — Foto: Chandan Khanna/AFP
A margem estreita está no centro de um imbróglio jurídico envolvendo Trump,que durante a apuração dos votos ligou para o secretário de Estado da Geórgia cobrando que ele encontrasse 11 mil votos a seu favor para reverter o resultado. Trump e diversos aliados são processados pela justiça do condado de Fulton,onde fica Atlanta,por tentativa de fraude eleitoral,mas ainda não há previsão de julgamento.
Lá,Kamala,filha de pai jamaicano e mãe indiana,tem recebido o apoio dos negros e dos jovens. Trump,atrai o eleitorado religioso,favorável à revogação constitucional ao direito ao aborto pela Suprema Corte,há dois anos,que só foi possível graças à nomeação de juízes conservadores feita durante o seu mandato.
Outro estado sulista,a Carolina do Norte,com 16 delegados,não vota nos democratas para a Presidência desde Barack Obama,em 2008. No entanto,desde 2017 o seu governador é do Partido Democrata,e a saída de Biden da corrida eleitoral,dando lugar a Kamala,acirrou as pesquisas de intenção de voto neste que por muito tempo foi considerado um reduto republicano.
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Assim como na Geórgia,Kamala conta com o apoio do eleitorado negro,que corresponde a quase 20% da população,e dos jovens. Nas urnas deste ano,pesará também o furacão Helene,que atingiu o estado no mês passado. A tragédia foi objeto de desinformação por republicanos,que alegaram,sem provas,que os fundos para apoiar as vítimas estavam sendo destinados a imigrantes.
Em 2020,Trump venceu no estado por 1,3 ponto percentual,cerca de 74 mil votos. Em 2016,a margem contra Hillary foi significativamente maior: 3,7 pontos,o equivalente a 173 mil votos.
Outro bastião republicano que "virou a casaca" em 2020,o Arizona faz parte do chamado do Cinturão do Sol — que,em contraste com o Cinturão da Ferrugem,viu um grande crescimento econômico e demográfico nas últimas décadas. Com 11 delegados,um dos temas centrais do estado,que faz fronteira com o México,é a imigração irregular,tema em que Trump é visto como mais preparado para lidar do que Kamala.
A vice-presidente foi apelidada pelo republicano e seus aliados de "czar da fronteira",uma forma de responsabilizá-la pelo recorde de cruzamentos irregulares registrados durante o governo Biden. Quando o democrata assumiu,Kamala foi designada para atuar juntamente com países latino-americanos para conter a imigração ilegal,mas a função era muito mais diplomática do que prática.
Além da virada em 2020,em 2022 o estado elegeu a democrata Katie Hobbs como governadora em detrimento de uma candidata abertamente trumpista. Uma das esperanças dos democratas reside no voto latino,que representa 33% da população e costuma ser um eleitorado alinhado à sigla. No entanto,Trump tem apelado para a comunidade,sobretudo com discursos ligando Kamala à imigração e ao comunismo,tema sensível a muitas famílias que migraram de regimes autoritários da América Latina,como Nicarágua.
Em 2020,Biden levou o estado por apenas 0,4 ponto percentual,pouco mais de 10 mil votos. Um cenário muito diferente de 2016,quando Trump venceu contra Hillary por 3,5 pontos,cerca de 91 mil votos.
Assim com o Arizona,Nevada é outro integrante do Cinturão do Sol que faz fronteira com o México e tem uma relevante comunidade latina,cerca de 30% da população. O eleitorado,no entanto,tem sido atraído pelo discurso conservador de Trump,que tem forte apelo sobretudo entre os homens.
Com seis delegados,o estado do oeste americano famoso pelos cassinos em Las Vegas não elege um republicano desde George W. Bush,em 2004. Mas pesquisas mostram que o discurso anti-imigração tem ressoado entre seus eleitores.
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A esperança dos democratas para manter o estado é a chegada de trabalhadores jovens e com maior formação,um eleitorado com quem Kamala se sai melhor. Em geral,eles costumam vir da vizinha Califórnia para trabalhar no setor tecnológico ou de transição energética no estado.
Em 2020,Biden venceu em Nevada por 2,4 pontos percentuais,cerca de 33 mil votos. Em 2016,Hillary ganhou de Trump com a mesma porcentagem,mas com uma diferença de 27 mil votos a seu favor.
Com AFP