Casos de Marburg são detectados em Ruanda. — Foto: OMS África
GERADO EM: 08/11/2024 - 22:26
O Irineu é a iniciativa do GLOBO para oferecer aplicações de inteligência artificial aos leitores. Toda a produção de conteúdo com o uso do Irineu é supervisionada por jornalistas.
CLIQUE E LEIA AQUI O RESUMO
O Ministério da Saúde de Ruanda confirmou os primeiros casos de pacientes infectados com o vírus Marburg em 27 de setembro. Duas semanas depois,já eram 54 casos e 12 mortes. Um mês depois,a crise de saúde pública,potencialmente catastrófica,estava contida e controlada – num país com um PIB de US$ 13 bilhões (o brasileiro é 150 vezes maior). Marburg não é um vírus qualquer. A taxa de mortalidade é altíssima,geralmente em torno de 80%. Causa uma febre hemorrágica com sintomas parecidos com outras doenças tropicais,o que pode dificultar o diagnóstico. À medida em que progride,a doença pode causar danos no fígado,sangramento,choque,delírio,e falência geral dos órgãos.
A transmissão de pessoa para pessoa acontece por contato direto com fluidos e superfícies contaminadas,e por isso cuidadores e trabalhadores de saúde em geral correm grande risco. Este era o primeiro surto de Marburg em Ruanda. Países próximos já haviam passado por isso,e os resultados tinham sido trágicos. Na República Democrática do Congo,um surto de 1998 a 2000 teve uma taxa de letalidade de 83%,com 154 casos e 128 mortes. Em 2023,na Tanzânia,um surto menor,mas não menos fatal,com oitos casos,cinco mortes. Em 2004/2005 em Angola,foram 252 casos,227 mortos,letalidade de 90%.
A resposta ruandesa foi exemplar. No último boletim,de 3 de novembro,o Ministério da Saúde registrou 66 casos,com 15 mortes,taxa de letalidade de 22,7%. Não há registro de casos novos. Segundo reportagem da National Public Radio (NPR) dos EUA,dois pacientes que tinham apresentado falência de órgãos e estavam intubados,recuperaram-se.
Como um pequeno país africano,que há apenas 20 anos foi palco de um genocídio,conseguiu a façanha? Investindo em saúde pública,tanto em estrutura como em insumos e no treinamento de pessoas. Uma vez diagnosticado o primeiro caso,as autoridades sanitárias sabiam o que fazer e contavam com os recursos para pôr esse conhecimento em prática.
O primeiro paciente que chegou ao hospital também apresentava quadro de malária,e demorou para que os médicos e equipe considerassem a hipótese de Marburg. Quando se fez a conexão,e constatou-se que o paciente provavelmente tivera contato com morcegos – o reservatório animal da doença – em seu trabalho com mineração,a resposta foi rápida e eficiente. Houve extenso rastreamento de contatos e testagem. Profissionais de saúde que tiveram contato com o paciente foram testados e isolados. Criou-se uma ala separada no hospital,com isolamento e equipamentos de segurança adequados. Instruções foram dadas para a população sobre cuidados,prevenção,sintomas.
A instrução para quem apresentasse sintomas era: entrar em contato com o serviço de saúde,e não ir ao pronto socorro,evitando assim contaminar pessoas no caminho e no transporte. Profissionais de saúde devidamente equipados e protegidos faziam visitas domiciliares. Mais de mil familiares e profissionais de saúde foram monitorados. Mais de seis mil testes foram aplicados.
Não há muito mistério quanto ao que deve ser feito para conter um surto de doença infecciosa. A diferença geralmente está na capacidade e rapidez da reação,e principalmente,na vontade política e na competência administrativa para fazer o que os cientistas sabem que deve ser feito,e de comunicação efetiva e transparente com a população,sem causar pânico. A rapidez do monitoramento de contatos e testagem garantiu que os pacientes fossem diagnosticados no início dos sintomas e não chegassem no hospital em estado crítico,difícil de reverter. Que Ruanda sirva de exemplo para o mundo.