A secretária municipal de Transportes Maina Celidonio e o prefeito Eduardo Paes — Foto: Marcos de Paula/Prefeirura do Rio
GERADO EM: 08/01/2025 - 18:19
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Durante o anúncio de mais um adiamento da bilhetagem eletrônica exclusiva do Jaé,o prefeito do Rio Eduardo Paes (PSD) empilhou recados e críticas no que chamou de"dia do constrangimento" e do "xeque-mate". Durante a entrevista de cerca de uma hora,Paes chamou os empresários de ônibus de "mafiosos",disse que "bilhões" estão em jogo e que vai abrir a caixa preta do transporte coletivo do Rio. Confira os principais pontos:
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Durante a entrevista,Eduardo Paes usou a expressão "máfia" ou "mafiosos" oito vezes para se referir à antiga Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor),Semove. Isso porque a RioCard,empresa que cuida da bilhetagem eletrônica nos principais transportes coletivos do Rio é ligada aos donos das empresas de ônibus.
— Estamos enfrentando uma turma que é uma máfia,que já fizeram tudo que vocês conhecem. Eles estão incomodadíssimos com isso. Mafiosos que fazem essa caixa-preta há muito tempo no Rio. Eles não vão nos deter. Vamos dar transparência a esse sistema e pagar um preço justo. Nós estamos tirando da mão dos empresários de ônibus as raposas,a possibilidade de cuidarem do galinheiro — disse Paes.
A prefeitura diz,por exemplo,não saber quantos usuários são transportados a cada hora nos coletivos. Atualmente a cidade do Rio paga o subsídio às empresas mediante a um relatório mensal do número total de passageiros por empresas feito e entregue pela operadora. Em 2024 foram pagos cerca de R$ 1,3 bilhão às empresas.
A Riocard,diz o município,afirma serem feitas,em média,2,5 milhões de viagens diariamente nos ônibus municipais do Rio. No entanto,a prefeitura diz que não possui ideia de quantos são esses passageiros.
— Quando pensarem no RioCard,esqueçam a tecnologia. É do cara da Fetransport. É do dono da empresa de ônibus que explora o trabalhador,que não dá condições,que não liga o ar-condicionado. Estamos invertendo essa lógica e fomos até o Supremo Tribunal Federal para vencer essa luta. — afirmou Paes.
Em nota,a Riocard Mais informou que "sempre apoiou o processo de transição para o novo sistema de bilhetagem da Prefeitura,entendendo a importância de manter o atendimento à população da cidade do Rio. Mesmo ciente de que a mudança não era uma necessidade dos passageiros de transportes municipais,a empresa respeitou a decisão da Secretaria Municipal de Transportes e colaborou integralmente,acatando todas as determinações,inclusive às que não eram favoráveis aos clientes,como a restrição de acesso a serviços importantes".
O principal ponto de entrave que fez a implantação exclusiva do Jaé ser adiada mais uma vez foi a falta de integração com os modais de responsabilidade do governo estadual: metrô,trem,barca e ônibus intermunicipal. Hoje,cerca de 230 mil pessoas tem o Bilhete Único Interestadual e perderiam o benefício já que não há uma solução no horizonte para o problema.
Ao GLOBO na véspera da entrevista de Paes,o secretário estadual de Transporte Washington Reis disse que a conexão entre o Jaé e o Riocard não tem como ocorrer e defendeu o adiamento. Durante a coletiva,Paes,sem subir o tom,criticou o governo estadual por não avançar nas tratativas com a prefeitura. Ele ressaltou a boa relação com Reis,mas que ele deve ter tido "um lapso de memória" e esperava não ter que mostrar os documentos para provar que desde 2021 conversa e pede auxílio do governo estadual para integrar os sistemas.
O prefeito ainda contou que já conversou com o governador Cláudio Castro (PL) sobre o tema e que havia recebido uma sinalização positiva nos encontros. Antes da coletiva,disse que recebeu uma ligação de Rodrigo Abel,secretário estadual do Gabinete do Governador,"reiterando o compromisso do governador". Ele ainda defendeu que o governo estadual adira a licitação da prefeitura que escolheu o Jaé — possibilidade,segundo Paes,expressa por Washington Reis.
— Quero crer que houve ali um problema e isso é que não viabilizou essa operação a tempo. Mas o governador reiterou hoje e acho que agora vai. Às vezes tem que ter um certo barulho para as coisas ficarem claras. Se eu fosse governador do Estado,eu não ficava na mão da Fetransport,mas aí é uma decisão dele— contou Paes,que completou:
— Está falando aqui um prefeito que está iniciando seu quarto mandato. Eu nunca consegui fazer isso,agora eu consegui. E eles não vão nos deter. Eles não vão nos deter,não vão nos deter.
Ao ser perguntado sobre as tratativas entre a prefeitura e as concessionárias de transportes estaduais,Paes disse que a entrevista era a chance de "dar nomes aos bois" e que era o dia do "xeque-mate" . Antes de passar a palavra à secretária municipal de Transportes Maina Celidónio,ele ainda completou:
— Hoje é dia da verdade. Todo dia é,mas mas hoje é para constranger — disse.
A secretária então disse que conversou com as empresas e destacou as negociações com o Metrô. Como mostrou o GLOBO nessa semana,desde novembro a prefeitura pressiona a concessionária a instalar os validadores do Jaé. Isso porque em 2024 houve um acordo entre a empresa e o município para integrar entre o modal e as seis linhas de ônibus municipais que substituíram o serviço de Metrô na Superfície. Os usuários dessa integração metrô-ônibus pagam apenas a tarifa do metrô,não são cobrados para fazer o trajeto das estações de Botafogo e da Antero de Quental,no Leblon,até a Gávea. Caso a integração seja interrompida,o custo por viagem aumentará R$ 4,70.
O Metrô,no entanto,tinha rebatido a prefeitura dizendo que custeia o serviço 100%,sem ajuda da prefeitura. Nesta quarta-feira,Maina Celidonio disse que a concessionária está desrespeitando o acordo:
— Eles nos procuraram para fazer a integração. Mas colocamos que é preciso instalar os validadores para manter a tarifa quando a operação for exclusiva do Jaé,bilheteiro oficial da cidade. O metrô concordou e não cumpriu sua parte — disse a secretária.
Outro motivo que contribuiu na decisão da prefeitura de adiar mais uma vez a operação exclusiva do Jaé foi que há uma negociação de venda da operadora. A empresa está em via de ser comprada pela Autopass S.A. — que opera o cartão TOP na Grande São Paulo com operações no Metrô,CPTM (a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e ônibus metropolitanos (EMTU).
A Autopass chegou a participar da licitação do Jaé,mas ficou na quarta posição após oferecer um pagamento de R$ 33 milhões contra R$ 110 milhões da vencedora do pregão. Caso se concretize a venda,a nova empresa terá que assumir o valor já acordado em contrato válido por 12 anos.
Eduardo Paes contou que recebeu um pedido da Autopass na véspera da entrevista para adiar para julho a operação da bilhetagem exclusiva.
— A empresa é nossa empregada. Se aprovado pela prefeitura,eles passariam a ser os contratados do município. Mas quem manda é a prefeitura. Se a empresa respeitar os requisitos legais,que foram os requisitos exigidos no processo licitatório,autorizaremos a transferência. O que não pode é ser uma empresa que cuide de sistema de ônibus no Rio de Janeiro — disse Paes.
A Autopass S.A.foi contratada em São Paulo em 2020,durante o governo de João Doria (à época no PSDB),foi alvo de questionamentos do Tribunal de Contas do Estado (TCE) por falta de licitação. Também já teve contratos com o Ministério da Educação para operar o serviço de recarga de vale-transporte estudantil na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
A empresa está sob o guarda-chuva da holding Mondopass,que tem em seu conselho de administração o empresário José Romano Netto,conhecido como Zeca Romano — ou ainda como “príncipe dos transportes”. Zeca integra uma família rica do ABC Paulista e é filho de Maria Beatriz Setti Braga,presidente do Auto Viação ABC,empresa de ônibus que opera em São Bernardo do Campo,e também administradora da Metra,que operava no importante corredor de ônibus ABD (que liga o ABC à Zona Sul da capital paulista).
O próprio Zeca Romano possui uma miríade de negócios em diversos ramos,do meio imobiliário ao de comunicação. Na área dos transportes,é dono de empresas de transporte escolar e de uma plataforma que funciona como uma espécie de “Uber do transporte coletivo”. No mês passado,Zeca Romano apareceu no noticiário ao dar carona em um jato ao secretário de Segurança Pública de São Paulo,Guilherme Derrite. A aeronave está registrada no nome de uma empresa que também era proprietária de uma Ferrari avaliada em cerca de R$ 2 milhões que acabou estraçalhada em um acidente na Rodovia Castello Branco em 2013.