Ruínas do distrito de Bento Rodrigues,atingido pelo rompimento da barragem do Fundão,em Mariana — Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo/ 26-05-2018
GERADO EM: 10/01/2025 - 18:59
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O julgamento da ação coletiva contra a BHP na Inglaterra será retomado nesta segunda-feira. Na ação,estão representadas 620 mil vítimas da tragédia em Mariana,além de municípios e empresas. O escritório Pogust Goodhead,que cuida do caso,pede indenização à mineiradora,uma das acionistas da Samarco,responsável pela barragem que se rompeu matando 19 pessoas e poluindo o Rio Doce em 2015.
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Na primeira semana,de 13 e 21 de janeiro,as audiências serão focadas em questões relativas a direito ambiental,com a apresentação de depoimentos de especialistas. Já nos sete dias seguintes,os depoimentos serão de especialistas em geotecnia,aprofundando questões técnicas relacionadas ao rompimento da barragem.
Em fevereiro,as partes envolvidas irão preparar suas alegações finais,que serão apresentadas entre 5 e 13 de março.
Mesmo com o novo acordo no Brasil,assinado no final de outubro,o julgamento teve continuidade na Inglaterra. Em dezembro,o governo brasileiro,por meio do Ministério das Relações Exteriores,comunicou oficialmente a corte inglesa sobre a homologação do acordo. Todo o conteúdo,em milhares de páginas,foi encaminhado ao tribunal.
O novo acordo prevê que as empresas envolvidas no acidente — Vale,BHP e Samarco — destinem R$ 100 bilhões ao governo federal,a Minas Gerais,ao Espírito Santo e a municípios afetados pelo acidente. Esse pagamento será gerido por um fundo do BNDES,o Fundo Rio Doce. O primeiro pagamento,de R$ 5 bilhões,será feito 30 dias após a assinatura do acordo judicial.
Outros R$ 32 bilhões irão para as indenizações individuais,no valor médio de R$ 35 mil por pessoa,além de R$ 38 bilhões que as empresas alegam já terem desembolsado,via Fundação Renova,criada em 2016 para compensar os danos pelo acidente. O valor total chega a R$ 170 bilhões e a expectativa é que o acordo encerre mais de 180 mil ações judiciais no Brasil.
Com a repactuação,o principal argumento a favor das empresas é que uma vítima não pode ser indenizada duas vezes pelo mesmo dano — o que é chamado de bis in idem no meio jurídico. Ou seja,já que houve um acordo para pagamentos no Brasil,as mesmas empresas não poderiam ser cobradas novamente no exterior.
A BHP é a única ré na ação inglesa,mas a Vale arcaria com metade das indenizações se a mineradora anglo-australiana perder o processo,conforme acordo entre ambas. Há outra ação sobre o acidente em fase inicial na Holanda.
Advogados especialistas em direito ambiental consideram possível que a Justiça inglesa dê razão às empresas a partir do acordo,mas a corte de Londres tem soberania para prosseguir com o julgamento. Eles avaliam que ganhou força o argumento de que uma vítima não pode ser indenizada duas vezes pelo mesmo dano,o que livraria as mineradoras de voltarem a pagar na Inglaterra as indenizações que já acertaram de quitar no Brasil.
Outra possibilidade no horizonte é que a juíza Finola O’Farrell,responsável pelo caso,considere que a solução brasileira não foi suficiente e exija novas indenizações.
Professor de Direito Ambiental da Escola Paulista de Direito,Alexandre Levin considera que o processo de Londres não deveria existir,já que a indenização vinha sendo discutida no Brasil:
— Seria equivocado por parte da Justiça Inglesa condenar novamente pelo mesmo fato,caso as indenizações já tenham sido fixadas e pagas na Justiça brasileira — afirmou.
Entretanto,ele explica que é possível a justiça inglesa dar razão às vítimas por achar que as indenizações brasileiras foram insuficientes.
— O juiz inglês não é obrigado a extinguir a ação. Ele pode entender que a vítima foi indenizada em um valor insuficiente,que foi pressionada a aceitar um valor inferior. Ou que a indenização demorou demais a ser paga,que as vítimas não foram devidamente compensadas — avalia Levin.
Consultor em Direito Ambiental,professor da Unirio e presidente da Comissão de Direito do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB),Paulo Bessa rechaça a tese de valor insuficiente. Apesar de correr na Inglaterra,o julgamento se baseia na legislação e nos parâmetros do Brasil,argumenta.
— A indenização é prevista no Código Civil brasileiro,com parâmetros nos tribunais. Pode-se argumentar que os valores são baixos,mas não pode fugir desse parâmetro — explica Bessa,que,apesar de entender que o acordo deve ser considerado na decisão inglesa,critica a postura da Justiça e das autoridades brasileiras. — O Brasil tem que ter uma estrutura mais adequada para atender a esse tipo de vítima.
Bessa destacou as dificuldades para produção de provas de 620 mil vítimas na ação em Londres.
— Tudo foi mal administrado,mas não se pode falar que o pagamento de agora é desprezível. Não se pode alegar na Inglaterra que ninguém recebeu nada — diz Bessa,que acrescenta que no Brasil se paga,em média,R$ 60 mil de indenização por danos morais em evento com morte.
Advogada do núcleo de ações coletivas,direito ambiental e ESG da Nelson Wilians Advogados,Larissa Coelho diz que o certo é a justiça inglesa considerar o acordo brasileiro e também os impactos que uma nova indenização poderia causar às empresas. Mas admite que o cenário atual é inédito
— Apesar de já termos visto ações coletivas transnacionais,essa é a de maior magnitude. As duas instâncias (justiça brasileira e inglesa) são soberanas e suas decisões vão produzir efeitos.
Em nota,o escritório Pogust Goodhead afirma que o acordo brasileiro não interfere no julgamento de Londres.
" É importante destacar que não haverá duplicidade de valores pagos na repactuação e na ação inglesa. Isto porque nossos clientes estão buscando indenização por uma série de danos morais e materiais que não estão cobertos pelo acordo no Brasil. A repactuação prevê a criação de novos programas de reparação e estabelece critérios de elegibilidade que excluirão centenas de milhares de atingidos,os quais continuarão tendo a ação inglesa como sua alternativa de buscar justiça",explicaram.