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Vida e morte na Quarta-Feira de Cinzas

2025-03-12     IDOPRESS

Affonso Romano de Sant'Anna,em 1997 — Foto: Guto Costa/Agência O Globo

RESUMO

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GERADO EM: 11/03/2025 - 22:28

Nascimento e Despedida: Reflexões sobre Vida e Morte na Quarta-feira de Cinzas

Na Quarta-Feira de Cinzas,o autor viveu uma experiência singular ao celebrar o nascimento da bisneta Antônia e lamentar a morte do amigo Affonso Romano de Sant’Anna. O dia simbolizou a dualidade da vida e morte,destacando o ciclo contínuo de chegada e partida. A reflexão abrangeu a fragilidade e a beleza dos recém-nascidos e a perda dolorosa de um querido amigo,ressaltando o valor do amor e das relações familiares.

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Na Quarta-Feira de Cinzas,que,por sinal,passou sem nenhuma cinza,vivi um inesperado. Uma coincidência diferente de todas as que me ocorreram na minha longa vida. Algo situado entre este e o outro mundo,como ocorre quando a gente tem um pesadelo,fica embriagado ou — como se dizia antigamente — perdidamente apaixonado. Assustei-me ao testemunhar como das minhas mais quadradas rotinas surgia uma situação tão excepcional. Uma vivência liminar ou fronteiriça,para usar um conhecido conceito de meu saudoso amigo e mentor Victor Turner.

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A experiência fora do comum de confrontar-se com dois eventos opostos a um só tempo. Algo entre sair e entrar simultaneamente. Ou sentir-se velho e moço,homem e mulher,inteligente e burro — ou testemunhar nascimentos e mortes como os dois lados de uma mesma moeda.

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Meu evento extraordinário foi,num mesmo dia,viver o abençoado nascimento de uma bisneta — Antônia,filha do meu neto Samuel,filho de minha filha Maria Celeste,e de Luíza,sua mulher — e a morte de meu valioso amigo e companheiro intelectual,o escritor,poeta e pensador Affonso Romano de Sant’Anna,com quem eu dividia profundas afinidades.

Antônia vem se somar a Rocco,meu primeiro bisneto,filho de minha neta Serena e de Brian. Tal como ele,Antônia nasceu iluminada por nossas esperanças e — para mim,que vivo a temporada final da vida — por um acolhimento comovidamente afetuoso de quem está deixando a cena,mas tem consciência do precioso amor pelos descendentes e desse afeto difícil de ensinar e “criar”,a marca do que chamamos de “relação de sangue” ou de família e parentesco — esse traço universal de todas as sociedades humanas.

A velhice me faz enxergar o que,jovem,eu apenas via,mas não mirava nos meus filhos e netos: a indescritível beleza e a mais incondicional fragilidade dos recém-chegados que,em seus corpos minúsculos,exibem perfeição e a fragilidade comovedora de mãozinhas menores que nosso polegar.

Os recém-nascidos são miniaturas reveladoras de uma total dependência que conjura a amá-los e protegê-los. A torná-los parte de nossa humanidade.

Cauteloso e atrapalhado,peguei Antônia,que é só fragilidade — como peguei meu outro bisneto —,em meus desajeitados braços treinados pelo reacionário machismo nacional,para batizá-los com minhas lágrimas,pois a essas vidas em semente desejo que tenham um belo e bom destino ao lado da capacidade de resignação e amor que nos tornam capazes de suportar nossos enredos com dignidade.

Saímos,Christina e eu,da maternidade para o velório de Affonso,cujo senso de humor,preocupação com o Brasil,amor pelo trabalho criativo; cuja obra tanto admiro. Saí de um elo fundado de parentesco com a bisneta para a honrada e livre afinidade tecida com o amigo morto. A clara,bela e arejada capela mortuária combinava em tudo com sua vida sem invejas e ressentimentos. Uma vida devotada à poesia,aos livros,à cultura brasileira e às ideias.

Dei uma despedida calada ao amigo e companheiro de ideias que,morto,despertava em mim uma duríssima sensação de afeto e perda. Meu abraço na madeira do caixão nada produziu,exceto mais tristeza. Em seguida,vi pela última vez o rosto do amigo englobado pelo silêncio da morte. O silêncio dos que,como dizia Manuel Bandeira,dormem profundamente. Consolei-me com a ânsia de vida de Antônia,chorando a fome de viver dos recém-chegados a este nosso maravilhoso vale de lágrimas.

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