André Galhardo,economista — Foto: divulgação
GERADO EM: 29/05/2025 - 21:34
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O mestre em Economia Política André Galhardo avalia que o Brasil enfrenta um impasse estrutural na condução da política fiscal,independentemente de quem esteja no governo. Em entrevista ao blog,ele critica a recente elevação do IOF como um exemplo claro de improvisação,mais do que de uma estratégia fiscal consistente. No entanto,salienta,parte relevante das tentativas de contenção da trajetória de gastos e da dívida pública esbarra diretamente na resistência do Congresso Nacional. Galhardo,que é economista-chefe da consultoria Análise Econômica,discorda Gustavo Franco,ex-presidente do BC,que afirmou em artigo que os superávits dos dois governo Lula foram herdados.
Como você avalia a elevação das alíquotas do IOF pelo governo?
A recente decisão de elevar alíquotas do IOF — um tributo com função essencialmente regulatória — como mecanismo de reforço arrecadatório foi um equívoco claro da parte econômica do governo e ilustra bem a dificuldade de se criar um cenário fiscal equilibrado no Brasil atualmente. Medidas desse tipo transmitem mais improviso do que convicção,mas,ainda assim,a busca pelo equilíbrio fiscal parece nítida.
O que impede o avanço de medidas estruturais para o equilíbrio fiscal?
Parte relevante das tentativas de contenção da trajetória de gastos e da dívida pública esbarra diretamente na resistência do Congresso Nacional. O entrave à eliminação da desoneração da folha — instituída ainda no primeiro governo Dilma —,a manutenção do Perse,a relutância em disciplinar as emendas parlamentares sob as regras do novo arcabouço fiscal e o lobby por novos subsídios a serem incorporados na reforma tributária são exemplos claros da dificuldade política de promover cortes de caráter estrutural.
Quando o atual ministro da Fazenda,aventou a possibilidade de revisar os pisos constitucionais ou alterar a fórmula de indexação do salário mínimo para aposentadorias e pensões,a reação do meio político foi imediata e negativa.
Se houver uma mudança de governo em 2026,há garantias de que os problemas fiscais serão resolvidos?
Não há qualquer garantia de que os problemas fiscais e orçamentários do país serão solucionados,mesmo que haja uma mudança de governo com um comando mais “ortodoxo” e disposto a conter o avanço da despesa pública de forma estrutural. A experiência recente oferece sinais claros de que mudanças políticas,por si só,não garantem o ajuste fiscal. O único superávit primário registrado desde 2014 ocorreu em 2022,impulsionado não por reformas ou cortes,mas por fatores conjunturais,como a retomada pós-pandemia,a inflação e o consequente aumento da arrecadação. De maneira geral,embora o Teto de Gastos (EC 95/2016) tenha tido o mérito de impor um limite à expansão dos gastos,foi incapaz de produzir superávits primários sustentáveis. Mais do que isso,tornou-se uma regra disfuncional para um país com graves déficits em infraestrutura,envelhecimento populacional acelerado e baixa renda per capita,o que pressiona de forma contínua a demanda por serviços públicos essenciais.
A prova cabal da fragilidade da âncora fiscal anterior foi dada no segundo semestre de 2022,quando o governo da época decretou Estado de Emergência (EC 123/2022),abrindo espaço fiscal fora das regras vigentes. Isso veio após uma série de manobras contábeis que esvaziaram a credibilidade do arcabouço anterior,como o adiamento do pagamento de precatórios e a classificação de despesas permanentes (como o Bolsa Família) como extraordinárias,fora do escopo da regra fiscal.
Em artigo recente,o ex-presidente do Banco Central (1997–1999),Gustavo Franco,deixou explícito que está contando os minutos para que o atual governo acabar. Segundo ele,o atual governo tem apenas postergado o enfrentamento do desequilíbrio fiscal,empurrando o problema para os próximos anos e se eximindo de propor reformas que alterem de forma permanente a dinâmica dos gastos públicos. O senhor concorda?
A alternância de poder é parte fundamental da democracia e,após as revelações trazidas pelas investigações recentes,é inevitável reconhecer o quão perto o país esteve do abismo. Mas,deixando de lado a dimensão político-institucional,o principal incômodo manifestado por Franco diz respeito à condução da política fiscal. Chama atenção,por fim,a disposição de Gustavo Franco em relativizar inclusive os resultados fiscais positivos obtidos durante os dois mandatos do presidente Lula.
Ao afirmar que os superávits primários daqueles oito anos seriam,na verdade,consequência de ajustes herdados do governo anterior,Franco acaba por adotar uma leitura seletiva dos fatos. Trata-se de uma afirmação difícil de sustentar à luz dos dados,que mostram não apenas continuidade,mas consolidação de resultados fiscais expressivos ao longo daquele período.
Governos com orientação política distinta da atual tampouco garantem um equilíbrio fiscal permanente. Basta olhar para o que foi feito entre 2016 e 2019,e novamente em 2022. O problema não está apenas na retórica,mas na incapacidade estrutural de construir consensos mínimos em torno de reformas impopulares,porém indispensáveis.